Vinhos Tropicais Do Brasil

Dr. Giuliano Elias Pereira

Pesquisador Em Enologia

gpereira@cnpuv.embrapa.br

O cultivo da videira destinado à produção de uvas para a elaboração de vinhos finos tem apresentado crescimento substancial nos últimos anos, em diversos países do mundo, inclusive no Brasil. Este crescimento representa não somente o aumento das áreas existentes, como também no aparecimento de novos pólos vitivinícolas, que exigem a utilização de tecnologias aplicadas ao sistema de produção das uvas, ao processamento e à elaboração dos vinhos
A região do Vale do Submédio São Francisco, localizada no Nordeste do Brasil, entre os paralelos 8-9º do Hemisfério Sul, vem se desenvolvendo rapidamente nos últimos anos, nos municípios de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco, e em Casa Nova, na Bahia. As condições climáticas da região, com temperatura média anual de 26ºC, pluviosidade média de 550 mm, concentrada entre os meses de janeiro a abril, a 350 m de altitude, contando com a disponibilidade de água do Rio São Francisco para a irrigação, proporcionam características peculiares nos vinhos obtidos, quando comparada às regiões tradicionais no mundo, localizadas em condições de clima temperado, nos Hemisférios Norte (EUA, Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha) e Sul (Chile, Argentina, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, além do Sul e Sudeste do Brasil).
Um dos fatores mais importantes, que diferencia a região do Vale do Submédio São Francisco das regiões tradicionais no mundo, é a capacidade de uma planta produzir mais de uma safra por ano. Por se tratar de uma região de clima quente, com alta luminosidade e água em abundância para a irrigação, as empresas vinícolas fazem um planejamento da época em que pretendem colher e realizam a poda de produção das videiras em diferentes períodos, adotando o sistema de escalonamento para a poda dos lotes, o que proporciona períodos diferentes de colheita. Entre uma safra e outra, reduzem a irrigação para 15-20%, nos períodos secos, por cerca de 20-30 dias (este corresponde ao período de inverno em regiões temperadas), em seguida podam, aplicam cianamida hidrogenada para homogeneizar a brotação, aumentam a irrigação para 100% do coeficiente de cultura e um novo ciclo é iniciado. Outra característica importante das empresas é a possibilidade de escalonamento da produção, não precisando ter grandes estruturas de vinificação, em função da não concentração da produção em um período curto, sendo possível vinificar ao longo do ano.  Normalmente evita-se colher uvas entre os meses de janeiro a abril, devido à concentração de chuvas.
Atualmente o Vale possui aproximadamente 700 ha de vinhedos, produzindo cerca de 7 milhões de litros de vinhos finos, o que representa cerca de 15% da produção nacional, sendo a segunda área em produção do país, atrás apenas do Rio Grande do Sul. A atividade vitivinícola emprega cerca de 6.000 pessoas, direta e indiretamente, chegando a 30.000 se for incluída a produção de uvas de mesa.
As variedades mais importantes utilizadas para a elaboração de vinhos tintos finos são a Syrah, a Tempranillo e a Cabernet-Sauvignon, estas representando cerca de 85% dos vinhos, juntamente com as variedades Alicante, Aragonês, Tannat e Rubi Cabernet. Para vinhos brancos, as empresas utilizam as variedades Chenin Blanc e Moscato Cannelli, representando cerca de 80% dos vinhos, além de Sauvignon Blanc, Verdejo e Viognier. Para os espumantes, as empresas têm usado as variedades Itália, Chenin blanc e Syrah (também para os espumantes rosados). Os vinhos apresentam características interessantes, sendo que os brancos são leves, com aromas florais, fáceis de serem consumidos. Os tintos são variados, desde vinhos leves, jovens, até vinhos mais encorpados, que passam por algum período em barricas. Os espumantes naturais são na maioria secos ou demi-sec, além do espumante moscatel. Outros produtos elaborados são vinhos rosados, vinhos licorosos e brandy. Alguns destes produtos elaborados estão ganhando espaço na mesa de consumidores, do Brasil e do mundo, pois uma parte dos vinhos tem sido exportada para a Europa, Ásia e Estados Unidos.
A produção de uvas e elaboração de vinhos tropicais do Vale iniciou-se em meados dos anos 80, tendo a atividade sido reforçada no início dos anos 2000 com a chegada de grandes grupos, o que vem aumentando a necessidade de pesquisas e testes sobre características ligadas à viticultura e à enologia, para proporcionar o desenvolvimento de tecnologias, além de buscar valorizar as características e a tipicidade dos vinhos regionais. Diversos trabalhos de pesquisa estão em andamento, com a participação de instituições de pesquisa e ensino, com parcerias entre a Embrapa, o IFSertão, a UFPE, a UFRPE, a UFLA, a Funed, o Senai, o Sebrae, além das próprias empresas vinícolas, que formam o Instituto do Vinho – Vinhovasf. Os trabalhos em andamento incluem estudos sobre a influência de clones de cultivares, diferentes porta-enxertos, lâminas de irrigação, nutrição, épocas de produção e vinificação, tipos de vinificação, bem como a caracterização da qualidade dos vinhos. Estarão sendo realizados testes comparativos entre dois sistemas de condução - latada e espaldeira, para verificação das características dos vinhos em cada sistema, além de estudos sobre a caracterização do perfil fenólico e aromático dos vinhos, buscando-se explicar e descrever as características químicas e a tipicidade dos vinhos elaborados, em busca de uma identidade regional para os vinhos do Vale.
Espera-se que estes trabalhos em desenvolvimento, tanto por parte do setor privado, quanto pelo setor público, possam dar suporte técnico-científico à atividade vitivinícola regional e contribuir com os vitivinicultores da região na consolidação e divulgação dos vinhos tropicais do Brasil e no mundo.
 
Dr. Giuliano Elias Pereira, Pesquisador em Enologia
Embrapa Uva e Vinho/Semiárido, Petrolina-PE

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