Sr. João Carlos Cainelli
Nos últimos anos, têm sido notória a tendência para a produção de vinhos espumantes no Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul. As condições climáticas, a constituição varietal, as características organolépticas das uvas, as tecnologias para a produção e a interferência altamente profissional dos enólogos são alguns dos principais componentes que caracterizam o potencial que tem destacado o Brasil como um grande produtor de espumantes de alta qualidade. Prova disso, são os vários prêmios obtidos por nossos espumantes nos mais variados concursos de nível nacional e internacional.
A indústria brasileira de vinhos espumantes tem se desenvolvido com um crescimento quantitativo e qualitativo. O aperfeiçoamento das técnicas de cultivo na parreira, a eleição de variedades de uvas, as zonas de produção idôneas e, sobretudo o desempenho tecnológico da indústria de espumantes, tanto em infra-estrutura das vinícolas com novos equipamentos para a produção como pela qualificação do enólogo brasileiro, são fatores que influenciam este crescimento.
As particularidades na elaboração de vinhos espumantes de qualidade requerem habilidades que se estendem desde a uva até a garrafa. Pode-se dizer que a qualidade de um vinho espumante reside em grande parte na qualidade do vinho base. Como elementos importantes na elaboração podem ser citados a matéria-prima, a prensagem e o fracionamento.
A escolha da matéria-prima, isto é, a variedade da uva, é muito importante. As cepas utilizadas podem ser brancas ou tintas. As uvas brancas fornecem a finura, a leveza e as condições de fazer espuma. As tintas aumentam a presença aromática, a boa constituição, o vigor e a vinosidade. Em função do perfil procurado para o produto final, é preciso utilizar variedades de uvas brancas, tintas ou ambas através de uma "assemblage" entre as diferentes variedades. No Rio Grande do Sul são utilizadas as variedades Chardonnay e Riesling entre as brancas, e a Pinot Noir entre as tintas. A qualidade dos vinhos obtidos com estas uvas, vai depender do "terroir", do clima, do estado sanitário, assim como em todas as produções de vinhos de qualidade.
A maturidade tecnológica é muito importante para a elaboração dos vinhos espumantes devendo situar-se entre 10,5 a 11 graus de álcool potencial (em % vol.).
Outra etapa determinante para a obtenção de um vinho espumante de qualidade é a prensagem. A prensagem de uvas inteiras (com cacho) e o fracionamento são dois procedimentos que fornecerão qualidade aos espumantes. Para extrair o mosto da polpa da uva sem romper as películas é necessário exercer pressões baixas, verticais e regulares. Para isso são usadas prensas pneumáticas modernas. O fracionamento dos mostos configura-se na divisão em várias partes de volumes diferentes que são originados na prensa pneumática. O fracionamento serve para separar os mostos de diferentes partes do grão da uva, que são variáveis na sua composição. Cada parte tem uma destinação precisa na elaboração dos vinhos base.
Após a obtenção dos vinhos bases para a elaboração de espumantes naturais é necessário realizar a segunda fermentação que pode ser feita a partir de dois métodos. O primeiro é conhecido pelo nome de "Champenoise", também chamado de "método clássico", em que uma segunda fermentação ocorre diretamente na garrafa com a finalidade de obter o gás carbônico (este processo teria sido descoberto por um monge beneditino francês chamado Don Perignon). O outro método chama-se Charmat, em homenagem ao engenheiro francês que o criou.
O método tradicional, ou champenoise, consiste em várias etapas. Primeiro é feita a mistura dos diversos vinhos bases escolhidos de acordo com o tipo de espumante esperado. A segunda fase é chamada de "tomada de espuma" no qual o vinho base é colocado nas garrafas e acrescido de um licor de tiragem onde estão misturadas leveduras e açúcar que provocarão uma segunda fermentação que dura cerca de três meses. Para a precipitação desta segunda fermentação usa-se bentonita. Este licor de tiragem vai fornecer ao vinho base o gás carbônico, uma quantidade de álcool e aromas oriundos desta fermentação. Após este tempo, se dá o envelhecimento e neste período o líquido permanece junto com as borras das leveduras, conferindo-lhe cremosidade.
Este envelhecimento, que pode durar vários meses, é acompanhando de "remuage", operação que consiste em girar lentamente as garrafas depositadas sobre "pupitres" – cavaletes em forma de V invertido onde são colocadas as garrafas – para que as borras da segunda fermentação se concentrem no gargalo da garrafa sem que ocorram turvações. Após esta fase, o gargalo da garrafa é congelado e a garrafa é aberta sob pressão para que as borras sejam retiradas. Este processo chama-se "degorgement" ou degola. Adiciona-se, então, um licor de expedição que é composto por uma mistura de vinho e açúcar e que determina, dependendo da quantidade de açúcar, se o espumante é brut, demi-sec, sec, etc.
O método Charmat é uma simplificação do método champenoise. A diferença é que neste método a tomada de espuma é realizada em grandes recipientes chamados de autoclaves, com capacidade de milhares de litros. Neste método evita-se a "remuage" e o "degorgement". Depois de realizada a segunda fermentação, o espumante é filtrado ao sair do tanque e engarrafado.
O vinho espumante desfruta de uma atmosfera particular traduzida em elegância e frescor e sua produção exige perfeição organoléptica e estética. A variedade de produtos que a indústria vinícola coloca à disposição do consumidor é grande e sua venda, em relação aos outros vinhos, tem vida própria, praticamente independente de quaisquer fatores econômicos.
É importante considerar que o espumante, em quase todas suas modalidades, deve ser considerado um vinho de classe, de alta dignidade, fatores estes que não devem influenciar seu preço final. Vale ressaltar que a realidade das vendas tem comprovado a preferência do consumidor brasileiro pelos produtos nacionais: segundo dados do Instituto Brasileiro do Vinho (IBRAVIN) as vendas dos espumantes nacionais cresceram mais de 15% em 2007, enquanto os importados registram uma queda de 26%.
Definitivamente os espumantes brasileiros começam a ganhar espaço entre os consumidores. Este fato deve-se à qualidade do espumante brasileiro e a percepção de que nosso produto é melhor que a maioria dos produtos importados. O consumidor está percebendo que o espumante não é uma simples bebida gaseificada que oferece a ingênua satisfação de retirar a rolha e, consequentemente, ver seu espocar. Ele começa a ter uma satisfação qualitativa no qual a riqueza do gás carbônico desempenha um papel preponderante.